quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

"aqui dentro eu sou uma vadia"

“Aqui dentro eu sou uma vadia. Mas lá fora, sou uma santa, sou outra pessoa”, diz Paula. Alta e forte, ela se atira em cima dos homens no Cine Globo. Passando por entre as fileiras da sala de projeção, para, encara um rapaz que está sentado do outro lado da platéia e abaixa a calcinha, se insinuando. “Vamos trepar gostoso? Ou então me paga um drinque”. A abordagem não dá certo e ela vai até o bar, onde fica apoiada no balcão, procurando um novo alvo entre os homens que enchem o lugar.

Nascida na Bahia, veio para São Paulo há cinco anos, sozinha, para trabalhar e estudar. Era funcionária pública, concursada. Até que uma amiga começou a contar sobre seu emprego em uma boate de striptease no centro da cidade. “É sempre uma amiga que começa a chamar a gente pra cair na noite”, explica. A perspectiva de ganhos era maior do que no emprego. A garota, que queria fazer faculdade, viu ali uma chance de pagar seus estudos e as contas, que andavam sempre apertadas. “Aqui eu faço o que eu quiser. Mas se fosse na Bahia, não ia poder nunca ir pra essa vida. Lá sempre tem um conhecido, em todo lugar. Imagina minha família saber que sou puta? Minha mãe, meu pai, iam me matar”.

Paula, porém, acabou se apaixonando e deixou de lado a vida de garota de programa. Casou e começou a freqüentar a igreja. “Eu, casada e crente, ainda, acredita? Falando hoje parece mentira. Mas depois eu cansei, briguei com o marido, separei e caí na noite de novo”, resume. O fim do casamento deixou a garota ressabiada quanto a novos relacionamentos. “Não quero casar mais não. Nem namorar. Tô tranqüila agora. Tem até um cara que fica me chamando pra sair aí, mas to enrolando ele”.

Com o dinheiro ganho na boate – com programas e comissão por bebidas – consegue pagar o aluguel do apartamento onde mora, em Santana, na Zona Norte, e a faculdade. Paula está no primeiro ano do curso de Psicologia em uma universidade particular. “Mas já to pensando em largar. O curso é difícil, tem que pensar muito, tem que ter cabeça. E trabalhando aqui não to conseguindo, não chego bem lá”.

Ela também assume que anda bebendo demais, o que também estaria atrapalhando. “Tem que beber aqui no trabalho né, pra ganhar dinheiro. E de fim de semana também saio. Sábado fui na balada lá nas minhas quebradas com uma amiga daqui e ficamos muito loucas”, conta, rindo. E, novamente, ressalta que é “uma santa” na faculdade. “Ninguém precisa saber o que faço aqui. O cara que vem na boate também depois não sai falando por aí que comeu puta. Acontece aqui, morre aqui”. Até por isso, ela conta que não memoriza o rosto dos clientes - reconhece apenas aqueles que são freqüentadores assíduos da casa.

O expediente no Cine Globo vai até as 18 horas. Paula acha a rotina cansativa, mas admite que consegue sentir prazer com alguns clientes, esquecendo por um momento que está ali somente pelo dinheiro. “Depende do cara né. Tem uns novinhos, bonitinhos, que são uma delícia”. Alguns dos freqüentadores da casa, porém, aproveitam o anonimato das boates para realizar taras pouco usuais. “Tem tanto cara que pede pra ser comido que eu ando até com um vibrador na bolsa”, revela Paula, que dá risada ao contar alguns casos.

A garota não diz quanto consegue ganhar por mês no cinema, mas ressalta que o rendimento não é fixo. "Tem menina que diz que tira um valor sempre, mas é mentira. Não é assim. Tem mês que não dá pra tirar nada, tem mês que é bom e compensa”. Ela pensa também em sair da boate e parar de fazer programas. “Não dá pra viver disso pra sempre, a gente vai ficando velha”, explica. O plano, porém, ainda não tem data para ser concretizado. “Mais pra frente vou tentar alguma coisa na minha área, quem sabe quando terminar a faculdade”.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

por dentro de um privê - fast food do sexo


Patrícia passa o dia sentada em uma mesa de escritório. Com seus 46 anos, já apresenta alguns cabelos brancos, presos em um rabo de cavalo. Usa uma camiseta regata cinza, calça jeans larga, tênis. De pouco em pouco, puxa um caderno para anotar os programas que são feitos na casa que administra, um privê na rua Guaianases. A maior parte dos clientes chega por meio de adesivos colados em orelhões da região central. Chegam, sentam no sofá e esperam pelas mulheres. Elas chegam e se apresentam com beijo no rosto. É só escolher, pagar e ir para o quarto. As garotas cobram dez reais por dez minutos de sexo. Desse valor, metade fica para Patrícia.

“Tem menina que sai daqui para ir pra outro lugar, pros hotéis, pra Luz. Eu falo que aqui, se acontecer alguma coisa, ela grita que a gente vai ajudar, vai todo mundo para cima. Agora, se ela trabalha sozinha, o cara goza na boca dela, mete sem camisinha, bate nela e ninguém vai nem ouvir. Elas não dividem o programa com ninguém, mas tem que passar frio, agüentar bêbado chato, correr perigo”, argumenta.

Os tempos já foram piores para os negócios. Até a metade de 2009, a rua Guaianases era o principal ponto da Cracolândia. Usuários de crack e outras drogas passavam o dia e a noite por ali, assim como os traficantes. Hoje, com uma repressão mais forte da polícia, houve um alívio. Os nóias ainda circulam pela região, mas de forma menos intensa e não mais em grandes grupos, como há pouco tempo. “Eles não mexem com ninguém. No máximo pedem um trocado, um cigarro”, conta Patrícia.

Antes, porém, era mais complicado. “Às vezes eu descia para dar uma bronca quando ficava muita muvuca aqui na porta”. Ela ressalta, porém, que nunca foi assaltada ou ameaçada – ao contrário de amigas que possuem boates em regiões consideradas mais nobres, como a Augusta e Perdizes. Mas a mudança na rua não é atribuída somente à ação da polícia. “Juntamos com o pessoal que tem comércio aqui e começamos a pagar um segurança particular. Também começou a ter matéria de jornal direto, por isso que tiveram que fazer alguma coisa. Quando dava 18 horas, isso aqui ficava cheio. Os nóias tomavam um quarteirão inteiro aqui para trás, não passava carro, nada. Os clientes tinham até medo de andar por aqui”.

Na região, as drogas se fazem presentes não só nas ruas. Muitas garotas de programa contam sobre homens que pagam para ir aos quartos e cheirar pó ou fumar pedras de crack. Às vezes oferecem dinheiro para a mulher consumir a droga junto com eles. Patrícia conta alguns casos, mas se diz contra a prática. “Eu já aviso as mulheres quando elas entram na casa que, se eu ver, chuto daqui. Na vida pessoal de cada uma eu não posso fazer nada. Se a menina quiser cheirar uma bacia inteira de pó com um canudinho, faz o que quiser. Mas aqui, não”.

Outra reclamação da gerente é sobre confusões com os clientes. “Uns caras são chatos demais. Chegam aqui para aliviar o stress e vão embora piores ainda, porque não gozaram”. A principal reclamação dos homens é quanto ao tempo. A maioria paga por apenas dez minutos de sexo. Alguns broxam e começam a reclamar. “Eu já falo: amigo, você tem que se conhecer, saber se vai conseguir ou não, quanto tempo vai levar. O cara fica bravo porque não funciona, não tá com cabeça, e fica xingando a menina, a casa”. Nesses casos, ela tenta sempre apaziguar a situação. “Tem que ter paciência, conversar, para não perder o cliente. Mas também não deixar o cara folgar demais”.

Em alguns casos, a coisa é mais séria. “Já teve cara que entrou no quarto e quando saiu falou que não tinha dinheiro pra pagar”, lembra Patrícia. Hoje, isso não acontece mais, já que é tudo pago antecipadamente. Mas ela ainda lembra da história. “A gente juntou as meninas, deu umas porradas nele e mandou embora. Eu vou fazer o quê, matar o cara? Ficar dando barraco é pior. Queima a casa, assusta as meninas”.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

sexo no salão

Foto: Lívia Ramirez

“Me paga uma bebida, querido?”

O pedido é o mais comum nas boates do centro. As garotas se apresentam aos clientes, conversam algumas palavras e não demoram a lançar a pergunta. Quem não está acostumado ao funcionamento das casas, pode estranhar o valor apontado nas comandas. Uma lata de cerveja nas Koquetel Drinks, por exemplo, sai por treze reais. A explicação para a inflação é simples. Do valor, seis reais vão para o bolso da garota que convencer alguém a bancar a bebida. Mas o homem que paga a cerveja ou um drinque também não está interessado apenas em beber. Por cada item marcado na comanda, ele pode ficar “namorando” a garota no sofá, com amassos, passadas de mão e até mesmo beijos de língua, dependendo da garota e da química entre ela e o cliente.

Nas casas da avenida Rio Branco, porém, o clima não esquenta muito e os drinques normalmente são apenas o começo do que vai terminar nos quartos. Em outras boates a coisa funciona de outra maneira. No Garota de Ipanema e na Thells, ambas na rua Aurora, uma garrafa de cerveja não corresponde somente a amassos. A recompensa pode ser uma punheta ou boquete ali mesmo em meio ao salão, nos sofás. Desse jeito, o bar acaba também faturando mais para a casa, já que os clientes tem mais motivos para pagar os exorbitantes preços cobrados pelos drinques. As mulheres que começam a freqüentar o local não demoram a perceber que é preciso se adaptar para conseguir lucrar o máximo possível.

Vivian, que chegou há três meses da Bahia para trabalhar nas boates de São Paulo, lembra que sofreu no começo. Em alguns lugares passou noites inteiras sem tirar um único centavo. Com o tempo, começou a observar e conversar com as outras meninas. Ouvindo a voz da experiência, as coisas melhoraram. “Antes eu não bebia quase nada. Agora aprendi que não tem jeito, tem que beber. Outra coisa é que com homem que não bebe eu nem perco tempo. Não vale a pena, não dá dinheiro”, explica. Vivian também precisou perder um pouco da timidez para agradar aos clientes. E mentir também. “Tem que elogiar, fazer um carinho, deixar o cara na vontade”. As mãos precisam ser hábeis e ir no ponto certo. Ela precisa ser rápida também no copo. Quanto mais secar as garrafas pagas pelos homens, menos tempo precisa perder com o cliente e mais comissão é arrecadada.

O movimento na boate também influencia o tratamento dado ao visitante. Se a casa está cheia, Viviane não perde tempo: é direta e dispensa rapidamente aqueles que não se animam a desembolsar os quinze reais cobrados pelas garrafas de cerveja. Se há poucos clientes, ela se esforça mais para convencer os homens e até mesmo diminui as próprias exigências. E o cliente pode ganhar uma chupada em troca de uma única garrafa, quando a recompensa normalmente vem apenas na segunda. A simpatia também pode render frutos. Ainda assim, ela ressalta que não tem como perder muito tempo com quem não está disposto a abrir a carteira – mesmo que a agrade. “O pessoal fica de olho. Se não tem garrafa em cima da mesa, não pode fazer nada”.

Para ganhar mais dinheiro, porém, ela e as outras meninas chegam a desobedecer as regras da casa. Em programas comuns, tira trinta reais por meia hora de sexo – outros trinta ficam para a boate. Para conseguir atrair o cliente com um preço menor e ao mesmo tempo evitar dar metade do valor do programa para a chefia, Viviane às vezes oferece uma rapidinha para o visitante ali mesmo nos sofás, desde que a gerente não esteja por ali. “Tem que ser meio discreto, mas dá pra fazer. E é meter de olho no balcão”, conta, divertindo-se com a situação. O que ela não faz, por mais que a oferta seja tentadora, é programa fora da casa. “Acho muito perigoso. A gente não sabe quem é a pessoa”.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

tudo é negócio

Regiane veste as poucas peças de roupa que usava antes do programa: apenas um biquini fio dental e os sapatos de salto alto. Enquanto isso, Pedro também se recompõe, colocando a camisa pólo e a calça social e dando uma arrumada com as mãos no pouco cabelo que lhe resta e pega na carteira uma nota de vinte reais. Os dois caminham para a porta. Ele tem um sorriso nos lábios, que beijam o rosto de Regiane em uma despedida. Entrega o dinheiro e sai do quarto.

“Menina, dá aí minha grana. Ele já te pagou né?”

Quem pergunta, gritando, um pouco de agressividade na voz, é Carla, uma senhora de cinqüenta anos, negra, alta, magra, o rosto marcado por rugas. Veste uma calça e uma blusinha, uma roupa comum que destoa das outras garotas do prédio. Fica parada no batente da porta do quarto, de pé, a mão já estendida na cobrança. “Que foi? Se não tem dinheiro cobra mais dele”, diz, irônica.

“Não vou cobrar mais, não. Ele é meu cliente. Você que podia ser mais educada e não ficar cobrando na frente dos clientes”, responde Regiane, claramente brava e com um pouco de vergonha. O sorriso de Pedro desaparece do rosto e ele desce as escadas do meia nove com um último aceno para a garota.

“Minha filha, eu dei a buceta a vida inteira pra comprar esse apartamento e poder ficar tranqüila. Não fiz programa tanto tempo pra deixar os outros meter de graça. Eu cobro mesmo o que é meu”.

Bufando, Regiane entrega os vinte reais para Carla, que guarda no bolso, sem agradecer. Carla vira para o apartamento do lado e vê Neide sentada na porta, presenciando tudo. “Ainda era um velhinho. Esses caras dão trabalho, né? Devia até cobrar mais. Demoram pra gozar, a gente tem que se esforçar, suar muito. Se é um menininho novinho, bonitinho, aí é rapidinho e ele goza, a gente goza, fica todo mundo feliz”.

Nos dois prédios do centro utilizados unicamente para prostituição - o meia nove da rua dos Andradas e o Edifício Itatiaia, da Alameda Barão de Limeira - os apartamentos têm suas donas. As garotas de programa que quiserem utilizar os aposentos precisam pagar um aluguel diário e ainda têm o trabalho vigiado de perto pelas proprietárias. Proprietárias essas que já estiveram do outro lado. Quase todas trabalharam nos próprios prédios como prostitutas durante muitos anos, juntando dinheiro de cada programa para, no fim da “carreira”, comprar um apartamento e, com o aluguel, garantir a aposentadoria.

O preço cobrado pode variar por cada proprietária. Mas, normalmente, não foge muito do padrão. No Itatiaia, a dona do espaço fica com metade do valor de cada um dos programas – dez reais – nos primeiros quatro feitos pela garota. A partir daí, porém, tudo o que entrar é lucro para a menina. Cada apartamento chega a ser dividido por até oito mulheres. O lucro ainda vem da venda de bebidas. Nas salas, onde os clientes sentam e ficam conversando e bebendo cerveja, um latão sai por cinco reais. O valor fica todo para a chefia. No caso das bebidas quentes – como vodka, uísque, conhaque – as meninas podem receber comissão caso convençam os homens a consumir. Algumas das proprietárias dos apartamentos têm até mesmo funcionários, que ajudam nas atividades, como fiscalizar o tempo dos programas, cuidar dos estoques de bebida e das próprias garotas.

Brigas, que são raras, acabam apartadas pelas próprias mulheres. Houve uma tentativa de se colocar seguranças, homens, no prédio para garantir a tranqüilidade. A ideia, porém, foi abandonada. “Num lugar cheio de mulher, puta, não deu certo. Eles se preocupavam demais em ficar tentando comer as meninas e elas brigavam entre si por eles. Ninguém conseguia separar as coisas”, lembra Paula, que aluga um quarto no sétimo andar de segunda a sábado. Em uma região que, apesar de central, ganhou o rótulo de Boca do Lixo e, mais recentemente, Cracolândia, o valor arrecadado pelos espaço alugado nos prédios é muito superior ao aluguel cobrado por outros locais próximos.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Rua dos Andradas, 69

Foto: Renan Rodrigues

Trânsito caótico, centenas de pedestres e gente com sacolas cheias de compras. Lojas de eletrônicos, bares, lanchonetes, camelôs. Ali, perto de toda essa movimentação, a seiscentos metros da linha do trem, fica a rua dos Andradas. Ali, um edifício de dez andares, fachada recentemente pintada de vermelho e amarelo bem conservada, destoando-se num entorno deteriorado, apresenta uma movimentação incomum até mesmo para um imóvel localizado na região central. Um constante entra e sai de pessoas – quase todos homens –chama a atenção dos desavisados. A fachada, porém, não dá sinal nenhum do que pode atrair tanta gente. Não há placas, banner, nada. Apenas a tradicional indicação do número de endereço. O número meia nove provavelmente nunca combinou tão bem com um local.

A portaria é ocupada por João, um senhor negro de jeito calado que observa atentamente o movimento e se oferece também para atuar como guarda-volumes. Os mais jovens precisam mostrar o RG para provar que são maiores de idade e terem a entrada autorizada. Há duas opções para explorar a verdadeira face do lugar. Uma porta leva a uma escada, enquanto, à esquerda, fica o elevador. O modelo é característico, típico dos anos 80: move-se devagar e barulhentamente, aos solavancos. Dos degraus, chega o som de vozes femininas, muitas. Risadas, conversas baixas, gritinhos, gracejos. O elevador abre suas portas e logo já está cheio. Lá dentro uma senhora de idade e bastante acima do peso come uma coxinha sentada em um banquinho, fazendo o papel de ascensorista. Nas mãos tem uma caixa repleta de moedas e algumas notas de um real. “Caixinha da tia”, diz Carmen, sorrindo e apontando para a caixa, para depois estender a mão para seus colegas de elevador. Todos parecem já saber como funcionam as coisas por ali e entregam uma quantia já separada para ela. Carmen pede pelo menos cinqüenta centavos de cada um, “para ajudar”. E deixa a sua dica: “O bom é ir até o último andar. Aí você desce de escada. As meninas vão ficar agarrando, puxando. Aí vocês falam que ‘já foram’ e pronto. Aí você vê qual vai querer, escolhe. Se precisar sobe de novo de elevador pra encontrar ela”.

Quando as portas do elevador se abrem novamente, no nono andar, partem todos a descida das escadas rumo ao térreo. Cada andar tem quatro apartamentos. Em suas portas e espalhadas pelas escadas, apoiadas no corrimão, mulheres, mulheres e mais mulheres. Altas, baixas, gordas, magras, bonitas, feias, negras, brancas, mais novas, mais velhas. A maioria veste apenas lingerie, camisolas, calcinhas fio-dental. Em cada andar, até dez garotas se posicionam para “atacar” quem passa. Puxam pela mão, agarram pela cintura, chamam, perguntam: “vamo metê?”. Algumas atacam o ponto fraco: sabendo que o homem pensa mais com a cabeça de baixo, já vão direto ao ponto para tentar garantir o trabalho.

Segundo Carmen, cerca de quatrocentas garotas dão expediente por ali. O número parece um tanto exagerado, mas dá uma noção das dimensões do negócio. Os apartamentos viram vários quartos, com divisórias de escritório ou mesmo apenas toalhas e cortinas. O preço é de vinte reais por quinze minutos de sexo, mas pode chegar a quinze com alguma negociação ou garotas menos requisitadas. Outros detalhes também precisam ser definidos antes: sexo anal, por exemplo, pode render uma cobrança extra, dependendo da garota. É o chamado “presentinho”, que às vezes sai mais caro que o próprio valor do programa. As negociações acontecem em todo lugar, em frente às portas ou no meio da escada.

A dificuldade para descer os andares mostra que os conselhos de Carmen eram sábios. Qualquer vacilo pode resultar em estar preso, agarrado por alguma moça. Puxam pela mão, abraçam, levam para um canto, começam carícias, pegam a mão do homem e passam pelo corpo, enquanto sussurram. “Você não quer me comer, transar bem gostoso?”. Há as que insistem mais e até xingam quem passa direto ou se desvencilha com mais facilidade. Algumas utilizam a tática de pedir que o homem entre para conhecer o quarto ou pegar seu cartão de visitas. Quem se deixa levar fica numa situação complicada, quase obrigado a fazer o programa, seja por ameaça ou porque a garota já “ataca” a vítima. O expediente, inclusive, é lembrado por Paulo, que trabalha no bar e lanchonete Coringa, ao lado do prédio. “Elas vão te agarrando, às vezes chegam em duas, três...e nessa quando você vê pode estar sem carteira e você nem sabe o que aconteceu. E também nem pense em arrumar confusão por lá”. Se qualquer freqüentador de baixo meretrício sabe que briga na “zona” sempre termina mal para o homem, em um prédio com mais de uma centena de mulheres não poderia ser diferente.

Pelos corredores apertados não há só garotas tentando fisgar um cliente nem que na briga. Algumas parecem mais cansadas, quietas na frente das portas, outras sentam-se nas escadas. Há até mesmo algumas que aproveitam para ler uma revista enquanto esperam tirar a sorte e outras que comem por ali mesmo, para não perder tempo de trabalho.

De acordo com Carmen, o movimento tem alguns picos. Um deles é no horário do almoço. Muita gente que trabalha nas proximidades aproveita a folguinha do serviço para uma rapidinha por ali. Outro é mais próximo ao fim do dia, lá pelas quatro e meia, cinco horas, quando parte das pessoas já termina o expediente. Daí conclui-se que os clientes do prédio são, em sua maioria, homens que trabalham por perto. Mas, observando os corredores, o que se observa é um desfile de gente de todo tipo. Engravatados, peões de obra, estudantes, playboys curiosos, andarilhos esfarrapados, motoboys. Dentre esses, há os freqüentadores assíduos, que buscam diretamente o elevador e às vezes até mesmo um andar e garota específicos. E há os aventureiros, marinheiros de primeira viagem que ouviram falar do meia-nove e foram até lá conferir. Esses podem ser reconhecidos até mesmo pelo semblante. Vão de escada e se mostram até assustados frente ao vai e vem de gente e à agressividade das mulheres na caça pelo cachê de vinte reais. Esses são também os que acabam presos em algum canto por uma garota mais insistente enquanto olham para os lados procurando alguma ajuda. Se consegue se libertar, desce aos gritos de “viado, não gosta de muié, não quer meter” ou sob acusações de ser “pobre, falido, não tem vinte reais pra um programinha”.



domingo, 29 de novembro de 2009

estação da luz: passarela do sexo

Foto: Lívia Ramirez


Às 18h, apitos são ouvidos dentro do Parque da Luz. Quem visita o local pela primeira vez pode demorar a entender. O lugar está fechando. Os freqüentadores começam, a passos lentos, a deixar o local. A peregrinação termina do lado de fora do portão, onde famílias, moradores de rua embriagados, flanelinhas e garotas de programa se misturam. O pipoqueiro lucra com a pequena multidão.

Sentada na mureta do parque, uma senhora japonesa na casa dos sessenta anos tem uma garrafa de cachaça na mão e copos em outra. Já bastante bêbada, começa a cantar alto, dando risada, ao ver tanta gente na calçada. Serve uma dose para si mesma e outra para um morador de rua, que dá algumas moedas pela bebida. Uma das mulheres que fazia ponto no parque também aparece pegar um copo. Ela, que já andava com dificuldade, vira a pinga e sai trançando ainda mais as pernas. Com o efeito da cana, esquece a discrição habitual e aborda diretamente alguns homens, chamando em voz alta e sorrindo – a maioria dos dentes estragados ou já ausentes.

A Estação da Luz, logo à frente, com suas luzes já acesas no início de noite, é o ponto de despedida de algumas meretrizes. Mas nem todas encaram o fechamento do parque como fim do expediente. E é na própria estação que continuam o trabalho. Algumas já se posicionam nos muros da rua Mauá antes mesmo do fim das atividades do parque. Uma senhora negra usando um vestido simples e portando sua bolsa a tiracolo discute com um dos seguranças da estação ferroviária. “Olha, vocês fazem o de vocês que a gente faz o nosso”, responde o homem, nervoso, encerrando a conversa.

Um senhor do chapéu, que tocava pandeiro na praça, e seu parceiro de música, ainda embriagado, também vão para a Luz. No saguão de entrada, aproveitam a instalação de um piano, disponível para ser tocado por qualquer pessoa. O instrumento faz parte de um projeto da CPTM que começou em outubro de 2008 e deveria durar poucas semanas, mas foi prorrogado indefinidamente devido ao sucesso. Tirando o chapéu, o velhinho se senta e arrisca alguns toques sem melodia, acompanhado sempre pelo mesmo refrão de Martinho embalado pelo colega.

No mesmo salão, mulheres que estavam no Parque da Luz começam a circular, andando lentamente de um lado para o outro. Param em um canto. Dão a volta. Vão para as portas. Sempre à espera.

Após as 18 horas, a passarela que a rua Mauá à avenida Cásper Líbero por dentro da estação ferroviária, passando por cima das plataformas de trem, poderia ser chamada de “passarela do sexo” pelos mais atentos. Os cerca de 40 metros que ligam uma entrada a outra da construção ficam cheios. O vai e vem dos passageiros é ininterrupto. Mas alguns rostos são sempre os mesmos. As garotas que saíram do Jardim da Luz não esperam nenhum trem. Como se fossem modelos,desfilam pelo corredor, indo e voltando, sem pressa alguma.

***

José chega caminhando lentamente, olhando com atenção em volta. Alto e corpulento, ele veste uma camisa social branca por fora das calças jeans, o primeiro botão aberto. A barba por fazer realça a aparência de cansaço, mas os olhos denunciam uma certa impaciência. O olho esquerdo permanece estático enquanto o outro passa atentamente pelas moças que estão por ali. Uma análise mais atenta revela: é um olho de vidro.

Ele dá uma volta completa pela estação, sempre atento ao que acontece ao redor. De repente para e aborda uma negra alta e forte, já na casa dos sessenta anos. Fala no ouvido dela por alguns instantes. Ouve uma resposta ríspida e sai dali, sem responder. Anda por mais cinco minutos antes de abordar outra mulher, uma loira. A conversa dura mais. Mas, oito minutos depois, José está novamente sozinho, circulando a passos rápidos pela passarela que liga o parque à rua Mauá.

Uma morena passa andando devagar, uma bolsa a tiracolo. José chama e falam por apenas alguns instantes. Ele parte então para a porta, onde duas amigas conversam enquanto aguardam por algum cliente. Mais dois minutos com as duas e nada. Ele sai novamente sozinho e dá a volta pelo salão, saindo pelo outro lado da estação. Começa a abordar mais mulheres entre as que estão encostadas nas paredes. Depois de mais quatro tentativas, está de volta ao saguão principal da Luz, andando freneticamente de um lado para o outro.

“Tô procurando uma menina aí que eu saio sempre, né. Pelo jeito ela não ta, não. Aí fico conversando com as outras, tentando alguma coisa, mas não to gostando delas não”, explica José. Comerciante, ele trabalha na famosa rua 25 de março. Aparece pelos lados da Luz quase todas as semanas, sempre atrás da mesma mulher. Passando a mão pelos cabelos onde já aparecem os primeiros fios grisalhos de seus quarenta e cinco anos, conta que chegou a freqüentar algumas boates, mas que nunca foi algo freqüente.

Nos últimos tempos, porém, após terminar um namoro de nove anos, acabou indo procurar companhia por ali. “Eu morava junto com uma mulher, aí quando terminamos comecei a vir aqui sempre. Sabia que tinha umas mulheres, mas nunca tinha feito nada no parque”, lembra. Gasta sempre a mesma coisa, dinheiro contado: vinte e cinco reais por uma hora de sexo e o aluguel do quarto do hotel mais próximo. Enquanto conversa, continua atento à movimentação nos arredores. “Fico pensando que ela tá no hotel com algum cara e pode sair. Vou ficar mais um pouco e se ela não aparecer, vou embora”.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Uma volta pelo Parque da Luz

Foto: Lívia Ramirez



Saindo da Estação da Luz, basta uma caminhada rápida e alguns lances de escada para se avistar os portões do Parque da Luz. Em seu terreno está também a Pinacoteca. Vizinho ao local, o moderno Museu da Língua Portuguesa. Tudo isso atrai turistas ou transeuntes que passam por ali em busca de arte, natureza e paz. E também homens de todos os tipos – em busca de sexo.

O espaço que recebe até quatro mil pessoas aos domingos e feriados possui coreto, playground, casa de chá, gruta, espelho d´água, obras de arte. Entre as árvores e bancos de concreto, turistas, aposentados, moradores de rua e profissionais do sexo dividem os mesmo espaço. Parte dos frequentadores passa pelas prostitutas sem sequer imaginar a profissão daquelas mulheres. Estão longe de corresponder ao estereótipo que habita o imaginário popular. Nada de pouca roupa ou maquiagem carregada. Ali a maioria usa figurino discreto: vestidas com calças jeans, moletons ou vestidos longos. Elas também pouco sorriem para os possíveis clientes – a maioria aposentados e trabalhadores da região. Não costumam abordar descaradamente os homens. Nada de ‘psiu’ ou encaradas provocantes. No parque da Luz, eles é que devem procurar a aproximação.

A maior parte das mulheres que trabalha ali não difere das garotas das boates ou privês apenas na abordagem branda, quase inexistente. Quase todas já passaram dos quarenta anos e muitas já estão além das cinco décadas. Carregam sempre uma bolsa a tira colo e ficam sentadas em algum banco ou em pé, paradas. Às vezes caminham até outra amiga, conversam por alguns minutos, comentam o movimento e voltam a se fixar em algum local, esperando pela aproximação de possíveis clientes.

Márcia aparenta mais de quarenta e cinco anos. Negra, ostenta tranças nos cabelos e sorri pouco, talvez para não denunciar a falta dos dentes superiores. Fala com timidez e veste roupas que quase não exibem o corpo fora de forma. “Só estou aqui há quatro meses, e não venho todos os dias. Quando preciso de dinheiro não existe outro jeito”. Ela conta que outras mulheres também usam a região em casos de emergência.

***

Uma roda de curiosos se junta em volta de um senhor de cerca de cinqüenta anos. Usando um chapéu branco característico dos sambistas cariocas, toca um pandeiro animadamente, acompanhado pelas palmas de alguns dos espectadores. Um morador de rua se aproxima, nitidamente embriagado, dançando com animação e começa a cantar uma música de Martinho da Vila. “Passei no vestibular...mas a faculdade...é particular...”. Termina o verso e começa a rir, revelando os poucos dentes ainda existentes na boca. Então volta a entoar o trecho da música. E segue cantando sempre a mesma frase. As pessoas em volta riem e continuam a acompanhar a brincadeira.

Alheio à movimentação, um homem passa pela rodinha e desce pelas trilhas do parque. Passa pela gruta, contorna o lago, o coreto. Volta para a entrada do jardim e se aproxima de uma mulher que está parada há algum tempo por ali. A ruiva - um tanto acima do peso – veste blusa e saia pretas e um par de botas marrom. A negociação entre os dois não dura mais de cinco minutos. O valor dos programas por ali varia entre quinze e quarenta reais – mas normalmente sai por vinte. Ainda é preciso pagar cinco pelo período nos motéis onde a relação se concretiza.

Tudo acertado, o casal recém-formado deixa o parque pelo portão principal, lado a lado, os dois conversando como velhos amigos. Atravessam a estação da Luz calmamente e saem na rua Mauá, onde sobem as escadas de um motel.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

dez reais, dez minutos

Foto: Lívia Ramirez


São oito horas da noite quando um carro da Polícia Militar passa em baixa velocidade pela rua Guaianases. Um dos policiais avista três homens parados em um canto da rua quase deserta e coloca a cabeça para fora. Ordena que fiquem onde estão. Descem então três PMs da viatura e vão até os suspeitos. Mão na parede, revista meticulosa. Até camisetas e bonés são retirados e verificados.

Um dos policiais vai até uma das montanhas de lixo que se espalham pela calçada da Guaianases. Revira algumas sacolas e papelões. No meio da sujeira, encontra algumas pedras de crack. Nos bares ao redor, silêncio. Os clientes param para acompanhar a ação. Tudo acontece em frente a três prives - casas dedicadas exclusivamente ao sexo pago -, onde a luz acesa na entrada revela que tudo continua, ignorando a movimentação lá fora.

Em um deles, a Casa Rosa, uma íngreme escada vermelha leva até o hall principal. A entrada é discreta. Nada diz que ali funciona um estabelecimento "da luz vermelha". Na sala, a gerente do local está sentada, os pés apoiados em uma velha mesa de madeira. “Aqui, é dez reais, dez minutos”.

Um oriental vestindo camisa social e calça jeans se aproxima, mãos dadas com uma garota. “Vou com ela”.
“Quanto tempo o senhor vai ficar?”, pergunta Fabiana.
“Do jeito que eu to, vou ficar logo uns três dias”, brinca o sujeito. Depois, mais sério, paga por meia hora de programa. O dinheiro é dado na hora. Fabiana anota em um caderno. “Carla – 30 minutos – 30 reais”.

O casal recém formado vai para um dos quartos, divididos por paredes de madeirite. Em poucos minutos, é possível ouvir da sala os gemidos do japonês. A parede que limita o pequeno quarto chega a tremer com a força da relação.

terça-feira, 24 de novembro de 2009


no escurinho do cinema


Em uma travessa entre a Ipiranga e a Rio Branco, fica o Cine Teatro Santana. O lugar é grande, mas a fachada aparenta abandono – tinta desbotada e descascando, catracas antigas e enferrujadas. Na bilheteria, um papel impresso colado no vidro embaçado anuncia diversos shows eróticos e seus horários.Alguns cartazes com mulheres nuas ilustram o convite para os espetáculos. Passando pelas catracas, chega-se ao corredor que leva até a sala de projeção. Ali fica também um bar, onde o atendente se preocupa mais com a televisão do que com os eventuais visitantes. Uma porta com uma cortina de lona rasgada e empoeirada separa o corredor do cinema.

A sala é como a de um cinema comum, mas pequena e com pouco espaço entre as fileiras, preenchidas por cadeiras estofadas . Na tela, um filme pornô americano. Gemidos altos saem pelas caixas de som e enchem o ambiente. Na platéia, poucos homens – cinco ou seis naquela tarde, a maioria prestando atenção ao filme. À primeira vista, nenhuma garota no local. Mas gemidos revelam que estão todas em um único lugar, um canto próximo à entrada. Ali, um senhor de cerca de sessenta anos recebe um boquete de uma garota enquanto um rapaz mais novo se atraca com uma loira. Uma morena se divide entre os dois homens e se agarra também com as colegas. As mulheres gemem alto. “Vai gostoso, vai”, enquanto se dedicam a satisfazer os clientes. O velho então goza, ali, no chão mesmo. O outro sujeito parece se cansar e vai embora. O senhor conversa um pouco com as garotas, em voz baixa, o pênis ainda para fora da calça. Depois de se despedir com um beijo no rosto, fecha a braguilha e deixa a sala.

As meninas saem com o velho para voltar após poucos minutos. Partem em direção à platéia, em busca de mais um cliente. Um rapaz levanta o braço, chamando. A loira e a morena vão até ele. Conversam durante um minuto. Uma das mulheres sai da sala enquanto a outra desce com o garoto, que aparenta vinte e poucos anos, para a primeira fileira da sala. A loira retorna, dois copos de cerveja na mão. “Pagando uma cerveja, que é dez reais, você pode namorar gostosinho aqui no salão”, explica Jana. A brincadeira pode ser nas poltronas mesmo ou nos cantos do cinema, em pé. “Se você ficar com vergonha, dá pra colocar um pano na luz ali”, sugere. O programa completo sai por quarenta reais e é feito em um reservado. “Não é bem um quarto. Quer dizer, é, mas eles não investiram. Mas dá pra se virar”.

sou puta

“Não sou garota de programa, não. Sou puta. P U T A, pode falar assim, que eu acho melhor”. Diana é direta. Nascida em Cruz das Almas, cidade próxima de Feira de Santana, na Bahia, chegou em São Paulo com dezesseis anos, trazida pela mãe. Tem poucas lembranças do pai. Sabe que ele foi assassinado. Na época, Diana tinha sete anos. Curiosa, tentava fazer a mãe explicar o que tinha acontecido. Ela não dizia nada, então o assunto ficou por isso mesmo. Não demorou para brigar em casa. Depois de mais uma discussão com a mãe, decidiu ir morar sozinha. Sem emprego, sem planos, sem dinheiro.

No começo, conseguiu se virar bem. Arrumou trabalho como auxiliar de limpeza. Depois virou auxiliar de cozinha, de depósito. Uma amiga, então, revelou que estava trabalhando como garota de programa em uma boate no centro. E ganhando bem. Diana ficou tentada e acabou indo conhecer a "Garota de Ipanema", na rua Aurora. Ficou por lá. “Que mulher que começa nessa vida vai querer depois ir trabalhar por 400, 500 reais? Deixar de comprar bolsa, roupa, celular? Só para quando fica velha, muito feia. E algumas não param nem assim, né”.

O cotidiano de Diana, porém, não é tão fácil quanto ela faz parecer quando conta, rindo, sobre o último programa que fez. Todos os dias, faz a viagem de sua casa, em Jundiaí, até a Luz – uma hora e meia de trem. O expediente no Garota de Ipanema normalmente vai até as 22 horas. Mas, às vezes, quando há clientes e a noite está boa, ela fica até mais tarde e acaba dormindo ali mesmo, em um dos quartos da boate. “Não gosto né, não tem nada como dormir na nossa cama, mas às vezes é o jeito pra ganhar um pouco mais”, explica.

O assunto preferido de Diana são seus clientes. Muitos são fixos: aparecem sempre na casa já procurando por ela. Esses ela chama de “maridos”. “Puta também é psicóloga. Tem cara que vem aqui e paga cerveja pra ficar conversando, pra chorar, reclamar do chefe, da mulher, da vida”, conta ela. “Uma vez eu tava dançando no palco e um cara me abraçou e começou a chorar. Ele falava ‘eu te perdôo, Núbia, te perdôo por você ter me chifrado, eu te amo’. Entrei no embalo e acabei ganhando mais um marido”, lembra Diana, rindo.

Um dos “maridos” de Diana é Marcelo. Caminhoneiro, ele adotou o Garota de Ipanema como um dos pontos obrigatórios em suas passagens por São Paulo. “Ele é lindo de morrer. Um loirão alemão de um metro e noventa, forte, um dos caras mais bonitos que já entrou aqui”, diz a garota. Casado com uma mulher em Goiás, o homem uma vez apareceu na boate junto com um amigo. “Era um negão forte pra caramba, que ficava me olhando feio”, lembra Diana. Naquela noite, Marcelo propôs um programa em conjunto – ele, o amigo e a garota. Diana não queria, mas acabou topando. “Aceitei porque era um cliente bom, que sempre gastava bem. Mas tava com medo daquelas duas cobras enormes”.

Os três entraram no quarto, mas apenas Marcelo transou com Diana. Bruno, o amigo, ficou num canto, assistindo tudo. Então, depois de terminar o serviço com a garota, Marcelo chamou Bruno para a cama. “Mas agora você vai só assistir, querida”, disse ele para a baiana. Os dois transaram se revezando na posição de ativo e passivo. Diana ficou impressionada com a cena. “Nunca vi coisa igual. O cara lindo de morrer, casado...e gosta de homem e mulher. É coisa de maluco”.
Ver dois homens transando, porém, não foi das coisas mais difíceis. Entre as listas de fantasias extravagantes de clientes ela aponta o advogado Carlos como um dos que chegou mais perto de testar seus limites. Bem vestido, o homem contrastava com a maioria dos visitantes da boate. Falava pouco e já começava a beber. Pagava tantas bebidas que poderia aproveitar ali mesmo, transando nos sofás da casa, como muitos fazem ao encher a comanda. Mas o desejo de Carlos era impossível de ser atendido ali, sob o olhar de todos.

Nada de sexo. Ele entrou no quarto, deitou na cama com Diana e logo pediu: “abaixa a saia e mija na minha cara”. Primeiro ela riu, disfarçou, com medo de ofender o cliente, e disse que não sabia se conseguia. Os vários copos de cerveja que havia tomado com o advogado no salão da boate ajudaram. Realizou o desejo e achou que já estava livre. “Pensei que ele ia tocar uma punhetinha e ia embora, mas aí ele me pediu pra bater, bater com vontade”. Foram vários tapas na cara. Com medo de machucar o homem, Diana maneirava no peso da mão. Ele queria mais e mais forte. O rosto ficou vermelho, cheio de escoriações. Também levou alguns chutes perto da costela. Por fim, abriu a maleta e pediu que a morena introduzisse um vibrador no ânus. “Meu ou seu?” perguntou já em tom de reclamação. No dele, que gozou após cerca de uma hora que, para a baiana, pareceu uma eternidade.

“Fiquei com medo. Tanta coisa estranha que o cara pediu, a gente nunca sabe o que vai encontrar. Tem bêbado, desequilibrado, drogado”, comenta Diana, que gargalha enquanto conta a história.

apresentação

A região conhecida como Quadrilátero do Pecado é o cenário do livro Glamour e Boca do Lixo, escrito por quatro estudantes de jornalismo. A intenção deste blog é publicar alguns trechos da obra , além de algumas histórias que acabaram não entrando na versão impressa. Sejam todos bem vindos.


do glamour à boca do lixo


Na década de 40, o então governador de São Paulo Adhemar de Barros instituiu uma lei que restringia o meretrício ao bairro do Bom Retiro – nas ruas Aimorés, Itaboca e suas travessas.

A restrição, porém, não durou muito. Em 1953, o governador Lucas Nogueira Garcez derrubou o decreto. A polícia invadiu a Zona de Tolerância. A intenção era acabar com a prostituição. A lei e a ação policial, porém, acabaram apenas por acabar com a zona de confinamento. Despejadas, as mulheres partiram para morar em pequenos hotéis, pensões e pequenos apartamentos no bairro dos Campos Elíseos, nas proximidades da Estação da Luz. Não demorou para que as ruas da região tivessem paisagem parecida com a da antiga Zona. Junto com as prostituitas, bares, hotéis, restaurantes e salões de beleza surgiram para atender ao grande número de prostitutas que começava a atuar na região – e ao número muito maior ainda de clientes que as procuravam.

Formava-se então o que seria chamado de Quadrilátero do Pecado. A área ganhou o nome pelo desenho de sua delimitação no mapa da cidade – e pelas inúmeras casas de prostituição e mulheres passeando por suas calçadas e oferecendo programas. O desenho tem início na rua Mauá, a poucos metros da estação da Luz, e prossegue pela rua dos Protestantes, passando pela Rua do Triunfo e chegando à Avenida Ipiranga. Continua na famosa esquina com a São João e segue por essa avenida até encontrar a Duque de Caxias. O desenho se fecha então novamente na rua Mauá. Entre esses traços principais, as ruas paralelas, onde encontra-se realmente a maior presença do meretrício: alameda Barão de Limeira, rua Guaianases, avenida Rio Branco, rua dos Andradas, rua dos Gusmões.

Se o centro era conhecido por ser o centro financeiro e de empregos da metrópole, logo passaria a ter outra cara. Além da presença das prostituitas, a região começou a atrair também a marginalidade e a boêmia paulistana. A área do Quadrilátero do Pecado não demorou a se tornar conhecida também como Boca do Lixo.