quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Quatro jornalistas adentram o mundo da prostituição na região central da metrópole



Durante mais de seis meses, quatro estudantes de jornalismo saíram da sala de aula para se aventurar pelas ruas do centro de São Paulo. Nesse período, frequentaram os mais obscuros estabelecimentos da região conhecida como Boca do Lixo, ou Quadrilátero do Pecado. Prédios totalmente ocupados por prostitutas - antigamente conhecidos como treme-treme; cinemas eróticos; sobrados nos quais atendem garotas de programa, conhecidos como "privês", onde uma rapidinha pode sair por quinze reais; boates e casas de striptease; e, por fim, o parque da Luz e a própria estação de trem, em que mulheres e até senhoras de idade oferecem quinze minutos de sexo por vinte reais.

Glamour e Boca do Lixo é uma imersão nesse lado da metrópole que nem todos conhecem, embora esteja ali, ao alcance fácil de qualquer um. Para onde levam aqueles adesivos dos orelhões em que mulheres oferecem seus serviços e resumem seus atributos em poucas palavras como - "Sheila gordinha anal gostoso tx $20" ?

O livro mostra onde e como funcionam as casas da luz vermelha do centro, além de contar instigantes histórias dos personagens que as compõem. Diana, que diz que é "puta mesmo", sem vergonha disso; Michele, que já viveu dias melhores em boates e hoje chora em quartos de hotel na Luz; Paula, que trabalha em um cinema pornô para pagar a faculdade. Ou até mesmo José, que está sempre no parque da Luz para fazer programas com uma mulher por quem se apaixonou; João, que, como office boy no centro, acabou conhecendo os prédios das prostitutas; e Fábio, que foi do Grande ABC até a luz para perder a virgindade com as moças da vida
.
Com essas histórias, o que seria um trabalho de conclusão de curso de faculdade se tornou livro e agora está nas livrarias, lançado pela editora Multifoco. São 163 páginas de uma interessante jornada pelo centro de São Paulo e que trazem também lembranças de um tempo em que a região, e até mesmo a prostituição por ali, eram vistos com mais glamour do que como boca do lixo.

O livro ainda conta com imagens da fotógrafa Lívia Ramirez que ajudam o leitor a se situar nas ruas do chamado Quadrilátero do Pecado.

Glamour e Boca do Lixo - noite de autógrafos
Sábado, dia 20 - a partir das 19h
Bar do Miranda - rua Augusta, 1071, São Paulo
Editora Multifoco - 163 páginas - com fotos em PB - R$30

terça-feira, 19 de outubro de 2010

glamour e boca do lixo - versão argentina


a movimentada calle florida, em buenos aires, na argentina, é um centro comercial e turístico - repleta de lojas, ambulantes, cafés, casas de câmbio, artistas de rua. e boates. em todo ponto, além de senhores e senhoras gritando "cámbio, cámbio", para chamar os estrangeiros para suspeitos pontos de troca de dinheiro, há também outros, que, silenciosos, entregam panfletos avidamente. os mais visados são os homens, principalmente os estrangeiros, mas nem os locais e as mulheres conseguem evitar totalmente de acabar pegando um desses papéis. neles, fotos ou desenhos de mulheres nuas, além de números de telefone e preços. preços baixos, diga-se de passagem. trinta pesos - quase quinze reais - pelo programa, dizem os papéis. ou até menos.

quem vai com guias de turismo ou companheiros locais costuma ser logo advertido a não dar muito papo para os panfleteiros. eles reconhecem facilmente quem é de fora e, se percebem oportunidade, iniciam uma série de promessas para atrair o interessado à casa à qual estão vinculados. uma delas fica no andar debaixo de uma galeria, escondida atrás de uma cortina vermelha. no piso superior, casas de câmbio, lojas de roupa e até mesmo um sex shop. embaixo, somente a suspeita entrada do local.

o panfleteiro promete entrada gratuita e conduz o visitante até uma moça, que termina de levar o curioso até o local. ao entrar no recinto, tudo mais estranho ainda. sem música no fundo. lugar vazio. ambiente a meia luz, sem os neóns das boates. ninguém mais no estabelecimento. a mulher, semblante sério, dentes da frente estragados e língua presa, começa a falar. "consegue compreender?", pergunta, em espanhol. e então prossegue. explica como funciona o local.

"são oitenta pesos para entrar". não era de graça, como disse o sujeito dos panfletos? não. a entrada é gratuita se o cliente optar por tomar um drinque. ela mal fala isso e já aparece uma segunda mulher, uma velhinha rechonchuda, com uma bandeja na mão. nela, dois copos com um estranhíssimo líquido laranja um tanto desbotado. dois? "sim. tem que pagar um drinque para você e um para a menina". com isso, cento e vinte pesos, a mulher oferece a chance de ir para algum canto e fazer "algo a mais". "ou tudo", ela mesma diz.

ao questionar se é obrigatório pagar o drinque e a entrada - sendo que a promessa era de uma visita gratuita - a mulher dos dentes estragados se levanta e começa uma gritaria. a mais velha, que já havia se retirado, volta, e se junta a ela, reclamando. exigem dinheiro, os cento e vinte pesos dos drinques. com insistência, baixam para os oitenta da entrada e, ao fim, ainda sobre gritaria e discussão, acabam por aceitar qualquer valor.

certos estão os guias turísticos.

(este relato não faz parte de glamour e boca do lixo. é apenas para contar um "causo" durante passagem pela argentina, quando um dos autores do livro resolveu escrever um capítulo portenho póstumo para a obra).

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Glamour e Boca do Lixo já está disponível para venda online, no site da Editora Multifoco.


O livro também foi tema de uma reportagem do blog Centroavante, da Época São Paulo.



segunda-feira, 16 de agosto de 2010

advogada e puta

“Eu não sou garota de programa. Eu estou garota de programa, entende?”, enfatiza Débora. São nove horas da noite e ela está há quase uma hora sentada em uma mureta na calçada em frente ao meia nove da rua dos Andradas. Aparenta seus cinqüenta e seis anos, o rosto marcado por algumas rugas, a pele flácida. Na cabeça, usa uma boina vermelha. Veste um conjunto preto – uma blusa decotada que deixa ver os seios caídos e uma saia curta, acima dos joelhos. Botas de cano alto e um xale vermelho completam o visual. Um homem passa pela rua e fica olhando. Ela faz graça, acena, sorri, chama. Ele passa direto. Cinco minutos depois, um senhor na casa dos cinqüenta anos, calvo e baixinho, pára seu caminho para sentar ao lado de Débora. “Tudo bem gatinho? O que você quer fazer comigo?”, brinca ela. Os dois conversam por dois minutos, mas não chegam a um acordo e o homem vai embora.

“Não gosto de oferecer o programa diretamente. Por isso, até já aconteceu de o cara nem perceber que eu era prostituta, a gente ir conversando e sair”, conta Débora. Ela fala com clareza, pronúncias corretas, idéias coesas. Conta que chegou a se formar advogada e ser registrada na Ordem dos Advogados do Brasil – onde perdeu o registro por falta de pagamento. Falta de dinheiro que também a levou a se prostituir pelas ruas do centro.

“Não cobro um valor fixo. Depende de quem é. Pode ser cinqüenta, trinta. Mas faço até por quinze se eu estiver com fome”. Apesar da variação nos valores, Débora afirma que não se deixa explorar. “Tudo aumenta, tem inflação em tudo. Mas o preço do programa é sempre o mesmo, desde que cheguei por aqui. As pessoas abusam da ignorância das meninas”.

Nascida e criada em Minas Gerais, lembra que estudou em colégio de freiras e teve, desde sempre, uma educação muito conservadora por parte do pai, que era fazendeiro. “Ele ficava me vigiando, vendo se tinha homem dando em cima de mim. Tanto que fui ter minha primeira relação sexual só aos vinte e cinco anos”. Apesar disso, conta que se tornou liberal em relação ao corpo e a relacionamentos. “Sexo não é pecado, as pessoas precisam pensar mais nisso”, explica.
Débora conta que, desde cedo, se sentia perseguida na família. Um dos motivos era sua visão religiosa, que não batia com o conservadorismo católico dos pais. Em meio às brigas, foi até enviada para uma clínica psiquiátrica, onde ficou um período. Quando saiu, tentou se integrar novamente à própria casa, mas surgiram ameaças de levá-la novamente para tratamento. Assim, foi em 2001 que decidiu fugir. Pegou um ônibus para São Paulo “com a roupa do corpo e sem nenhum real”.

Na chegada à cidade, buscou abrigo na praça da Sé, o marco zero da capital. Na primeira noite, dormiu ali mesmo, ao relento, próxima dos mendigos que habitam a praça. Ao acordar, conta que foi abordada por uma moça que começou a perguntar como tinha ido parar ali. A mulher fazia parte de um movimento de sem-tetos com núcleo na região central. As duas fizeram amizade e Débora recebeu um convite para se juntar ao grupo. Começou a participar então de reuniões e discussões políticas do movimento. Em um dos encontros em que participou, conheceu o Parque da Luz.

“Gostei muito dali, achei muito bonito. Então fiquei sentada em um dos bancos. No dia eu tava usando um vestido meio aberto. Aí passou um senhor e falou que ali não era lugar pra mim, porque havia mulheres que se prostituíam ali na praça”. Curiosa, ela perguntou quando essas moças cobravam e ouviu a resposta – cerca de vinte reais – do homem, que achou estranha a curiosidade. “Na hora já pensei: é hoje que paro de dormir na rua”, lembra Débora.

Os primeiros programas, porém, não foram tão fáceis quanto ela pensava. Em alguns, chegou a chorar. Um dos clientes, com dó, pediu que ela lhe entregasse um currículo para ele ver o que poderia fazer, mas nunca recebeu resposta. “Depois, fui acostumando e até ficando mais esperta, descobrindo como ganhar mais dinheiro”. Mas, mesmo com o novo trabalho, continuou a procurar outros empregos. De pouco em pouco, arrumava um bico e deixava os programas de lado por um tempo. Trabalhou com telemarketing, entregou panfletos em eleições. Mas acabava sempre de volta às ruas do centro.

domingo, 4 de abril de 2010

Quarenta trepadas antes de ir para a cama

“Eu não quero criar raiz aqui. Estou só até juntar um dinheiro pra comprar um apartamento, dar uma ajeitada na vida, sabe?”, explica Pâmela, enquanto toma uma lata de cerveja, sentada em uma mesa na antesala de um dos apartamentos do Itatiaia. Para isso, ela trabalha duro. Sai de Mogi das Cruzes todos os dias para ir até o centro – o trajeto, entre distância a pé e trem, demora cerca de uma hora e meia. Chega ao prédio às dez horas. O expediente ali dura até as nove.

O número de programas negociados durante o período de onze horas em que fica por ali pode variar muito de um dia para o outro. Pâmela, porém, garante que nunca voltou para casa de bolso vazio. “O mínimo que eu já fiz foram dois programas. Em dia normal, fica entre uns dez e vinte. Agora, às vezes, pode ser mais, bem mais. Já cheguei a fazer quarenta em um dia”, conta ela, se divertindo com a situação. “Tenho compulsão por sexo. Então, quando eu to com o cliente, começo a fantasiar e tentar agradar ele. Aí acabo gostando também. É melhor assim né, nessa parte eu sou quase homem”, brinca. Até por isso, revela que aceita fazer até programas com dois, três clientes, mas jamais faria sexo com uma mulher.

Nesse ritmo, consegue uma renda mensal de cerca de seis mil reais. “Dá pra viver bem, comprar roupa, às vezes sair sem se preocupar muito com quanto vai dar a conta”. Pâmela tem trinta e seis anos – não é muito nova, mas isso não importa. No edifício, trabalham desde garotas que acabaram de completar dezoito anos, até senhoras na casa dos sessenta. As mais novas, porém, costumam angariar a maioria dos clientes – seja pela aparência que agrada mais aos visitantes, seja pela disposição maior na hora de buscar os homens.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

um guia para os putanheiros



Marcos se veste após uma transa rápida com Michele. Vinte reais para entrar no pequeno quarto, criado com divisórias de madeirite. A garota é bonita: jovem, loira, esguia, destoava até da maioria das mulheres do prédio. Valia a pena pelos vinte reais. Tudo tinha durado uns quinze minutos, um oral e um papai e mamãe – nada de mais, apenas para saciar a vontade naquela tarde de sábado. Enquanto subia o zíper, Michelle se olha no espelho.

“Como você ficou sabendo daqui? Foi na internet?”, pergunta ela, sem tirar nem se virar. Ele, que não esperava pela pergunta, fica sem reação por um momento. “É, foi sim, por quê?”. Ela explica, então, que muita gente vinha por ler sobre o edifício na internet. E que os clientes também aproveitavam para dar nota às meninas. “Se você participa lá, fala bem de mim”, diz, dando uma risadinha.


***


Em 2002, nascia o Gpguia. O fórum de discussões online se apresentava como um guia de garotas de programa onde os próprios usuários adicionavam informações sobre boates, pontos de prostituição de rua, acompanhantes. Não demorou para que relatos de todos lugares do Brasil – e também de outros países – enchessem os servidores do site. Os participantes da comunidade virtual podem criar páginas com descrição de uma boate e contar sobre o programa feito lá – ou em um prive, prédio, hotel. O chamado “test-drive” ganha até nota, sendo avaliado como positivo ou negativo. No começo de setembro de 2009, o fórum registrava cerca de 15,5 mil membros ativos que já haviam trocado mais de 887 mil mensagens.

Os tópicos sobre boates e garotas se divididem por estado. Em São Paulo, uma das seções é a “Área Trash”, que se resume a “locais conhecidos por todos, mas que poucos assumem que já estiveram lá”. Nessa parte do site concentram-se os relatos sobre os estabelecimentos do Quadrilátero do Pecado, no centro da Boca do Lixo paulistana. Se antes era necessária a indicação de algum amigo ou curiosidade e olho atento para encontrar pontos de prostituição escondidos por detrás de casas comuns e prédios, agora uma simples busca na internet pode render uma lista de estabelecimentos com seus preços, descrições e até mesmo recomendações de garotas específicas.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Tássia gostosa, anal s/ frescura - TX R$10

“É que nem andar de bicicleta. A gente vai tentando, tentando, tentando...até que não quer mais sair de cima”, exemplifica Tássia, brincando, ao contar sobre como começou na prostituição. A loira de trinta e um anos, nasceu no Paraná e veio para São Paulo há dez anos, acompanhada do marido. O primeiro emprego na capital foi como diarista, mas o trabalho era muito, e o dinheiro, pouco.

Quatro anos depois, conheceu uma garota que fazia programas na ruas do Brás. A amiga contava sobre o dinheiro que conseguia – muito mais do que o salário de Tássia, que acabou convencida a também tentar a sorte por lá. Trabalhou por seis meses com a colega, até que ficou sabendo de uma casa no centro da cidade, na rua Guaianases. “Aí fui pra lá. Em um prive a gente tem mais segurança”.

E o marido? “Igual homem, a gente aprende a mentir. Não vou contar para ele nunca, nem pensar. Digo que estou trabalhando com promoção, fazendo uma faxina aqui, outra ali...vou enganando”, conta Tássia, que cobra dez reais por dez minutos de sexo. Metade do valor fica para a casa, mas ela não reclama. “Se eu trabalhasse normal, ia ganhar uns quatrocentos reais, não compensa. Não acho meu trabalho fácil. Abrir as pernas aqui é muito difícil, mas pra mim é a melhor opção”. Tudo é encarado com profissionalismo. “Eu não gozo, eu não me envolvo, só quero o dinheiro do cara”.

Até por isso, ela não pensa em sair tão cedo dessa vida. “Não passo dificuldades. Pago aluguel, compro minhas coisas e ainda dou dinheiro pro meu marido. Só quero pensar em parar daqui a uns dez anos”.

Ao fechar um programa e subir para o quarto, um pequeno cubículo com um colchão no chão, Tássia é direta. Pergunta ao cliente o que ele quer e sugere as posições. “De quatro, por cima ou atrás?”. A abordagem, porém, nem sempre é a melhor. “Tem uns caras que são muito tímidos e aí a gente precisa agitar eles. Outros parecem um furacão, que eu fico até com medo da vontade deles. E tem também os carinhosos, que são os mais gostosos”.

Uma das maiores dificuldades com os homens é a camisinha. Segundo a loira, muitos não querem usar o preservativo. “A gente tem caixa de camisinha aqui, que a casa dá. Tem que tomar muito cuidado também, porque durante o programa alguns caras tentam tirar a camisinha ou até furar”. Tássia garante que nunca transou com clientes sem proteção e ainda conta que agentes de saúde da prefeitura vão com freqüência à região para atender as prostitutas. “A gente tem que preservar a saúde, então acho muito bom esse cuidado”.

Outro ponto que gera desentendimentos freqüentes é o tempo. A maioria dos homens paga por apenas dez minutos de sexo, que saem por dez reais. Quando acabam os dez minutos, a gerente da casa berra o nome da garota e avisa que o programa acabou. Mas muitos não conseguem chegar ao orgasmo nesse curto período. “Eles ficam irritados e até discutem com a gente por causa disso. Temos que acalmar e explicar que isso é um trabalho, um serviço. Se quiser mais tempo, tem que pagar”.

A paranaense ainda conta sobre alguns desejos diferentes dos clientes. “Tem uns que querem virar mocinha. E que querem que todo mundo saiba. Aí chamamos as amigas daqui pra assistirem. Pra gente é tudo zoeira, é divertido”, conta ela, rindo. Ela lembra então de um caso especial. Juarez, um homem casado, de quarenta e poucos anos, freqüentava a casa com alguma freqüência. Depois de vários programas, tomou a liberdade de pedir para que Tássia usasse um vibrador para satisfazê-lo.

“E aí ele ainda falou pra eu ligar pra esposa dele e falar que tava comendo o marido dela. Foi uma situação chata, mas ela acabou assumindo a culpa pela feminilidade do marido. Falou que começou a fazer brincadeiras usando o dedo e depois comprou um consolo. Aí extrapolou a brincadeira. Agora ela diz que ele quer dar pra tudo quanto é moleque lá na rua onde moram”, narra Tássia, entre risos.

Apesar de se divertir ao contar as histórias dos programas, a loira destaca que precisa tratar todos com carinho. “Eles têm que gostar e querer voltar aqui. Precisamos dos clientes”.