segunda-feira, 16 de agosto de 2010

advogada e puta

“Eu não sou garota de programa. Eu estou garota de programa, entende?”, enfatiza Débora. São nove horas da noite e ela está há quase uma hora sentada em uma mureta na calçada em frente ao meia nove da rua dos Andradas. Aparenta seus cinqüenta e seis anos, o rosto marcado por algumas rugas, a pele flácida. Na cabeça, usa uma boina vermelha. Veste um conjunto preto – uma blusa decotada que deixa ver os seios caídos e uma saia curta, acima dos joelhos. Botas de cano alto e um xale vermelho completam o visual. Um homem passa pela rua e fica olhando. Ela faz graça, acena, sorri, chama. Ele passa direto. Cinco minutos depois, um senhor na casa dos cinqüenta anos, calvo e baixinho, pára seu caminho para sentar ao lado de Débora. “Tudo bem gatinho? O que você quer fazer comigo?”, brinca ela. Os dois conversam por dois minutos, mas não chegam a um acordo e o homem vai embora.

“Não gosto de oferecer o programa diretamente. Por isso, até já aconteceu de o cara nem perceber que eu era prostituta, a gente ir conversando e sair”, conta Débora. Ela fala com clareza, pronúncias corretas, idéias coesas. Conta que chegou a se formar advogada e ser registrada na Ordem dos Advogados do Brasil – onde perdeu o registro por falta de pagamento. Falta de dinheiro que também a levou a se prostituir pelas ruas do centro.

“Não cobro um valor fixo. Depende de quem é. Pode ser cinqüenta, trinta. Mas faço até por quinze se eu estiver com fome”. Apesar da variação nos valores, Débora afirma que não se deixa explorar. “Tudo aumenta, tem inflação em tudo. Mas o preço do programa é sempre o mesmo, desde que cheguei por aqui. As pessoas abusam da ignorância das meninas”.

Nascida e criada em Minas Gerais, lembra que estudou em colégio de freiras e teve, desde sempre, uma educação muito conservadora por parte do pai, que era fazendeiro. “Ele ficava me vigiando, vendo se tinha homem dando em cima de mim. Tanto que fui ter minha primeira relação sexual só aos vinte e cinco anos”. Apesar disso, conta que se tornou liberal em relação ao corpo e a relacionamentos. “Sexo não é pecado, as pessoas precisam pensar mais nisso”, explica.
Débora conta que, desde cedo, se sentia perseguida na família. Um dos motivos era sua visão religiosa, que não batia com o conservadorismo católico dos pais. Em meio às brigas, foi até enviada para uma clínica psiquiátrica, onde ficou um período. Quando saiu, tentou se integrar novamente à própria casa, mas surgiram ameaças de levá-la novamente para tratamento. Assim, foi em 2001 que decidiu fugir. Pegou um ônibus para São Paulo “com a roupa do corpo e sem nenhum real”.

Na chegada à cidade, buscou abrigo na praça da Sé, o marco zero da capital. Na primeira noite, dormiu ali mesmo, ao relento, próxima dos mendigos que habitam a praça. Ao acordar, conta que foi abordada por uma moça que começou a perguntar como tinha ido parar ali. A mulher fazia parte de um movimento de sem-tetos com núcleo na região central. As duas fizeram amizade e Débora recebeu um convite para se juntar ao grupo. Começou a participar então de reuniões e discussões políticas do movimento. Em um dos encontros em que participou, conheceu o Parque da Luz.

“Gostei muito dali, achei muito bonito. Então fiquei sentada em um dos bancos. No dia eu tava usando um vestido meio aberto. Aí passou um senhor e falou que ali não era lugar pra mim, porque havia mulheres que se prostituíam ali na praça”. Curiosa, ela perguntou quando essas moças cobravam e ouviu a resposta – cerca de vinte reais – do homem, que achou estranha a curiosidade. “Na hora já pensei: é hoje que paro de dormir na rua”, lembra Débora.

Os primeiros programas, porém, não foram tão fáceis quanto ela pensava. Em alguns, chegou a chorar. Um dos clientes, com dó, pediu que ela lhe entregasse um currículo para ele ver o que poderia fazer, mas nunca recebeu resposta. “Depois, fui acostumando e até ficando mais esperta, descobrindo como ganhar mais dinheiro”. Mas, mesmo com o novo trabalho, continuou a procurar outros empregos. De pouco em pouco, arrumava um bico e deixava os programas de lado por um tempo. Trabalhou com telemarketing, entregou panfletos em eleições. Mas acabava sempre de volta às ruas do centro.

Um comentário:

  1. essa moça ainda não descobriu a comodidade e facilidade da internet ?
    beijos
    Anita-BBW

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