quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

"aqui dentro eu sou uma vadia"

“Aqui dentro eu sou uma vadia. Mas lá fora, sou uma santa, sou outra pessoa”, diz Paula. Alta e forte, ela se atira em cima dos homens no Cine Globo. Passando por entre as fileiras da sala de projeção, para, encara um rapaz que está sentado do outro lado da platéia e abaixa a calcinha, se insinuando. “Vamos trepar gostoso? Ou então me paga um drinque”. A abordagem não dá certo e ela vai até o bar, onde fica apoiada no balcão, procurando um novo alvo entre os homens que enchem o lugar.

Nascida na Bahia, veio para São Paulo há cinco anos, sozinha, para trabalhar e estudar. Era funcionária pública, concursada. Até que uma amiga começou a contar sobre seu emprego em uma boate de striptease no centro da cidade. “É sempre uma amiga que começa a chamar a gente pra cair na noite”, explica. A perspectiva de ganhos era maior do que no emprego. A garota, que queria fazer faculdade, viu ali uma chance de pagar seus estudos e as contas, que andavam sempre apertadas. “Aqui eu faço o que eu quiser. Mas se fosse na Bahia, não ia poder nunca ir pra essa vida. Lá sempre tem um conhecido, em todo lugar. Imagina minha família saber que sou puta? Minha mãe, meu pai, iam me matar”.

Paula, porém, acabou se apaixonando e deixou de lado a vida de garota de programa. Casou e começou a freqüentar a igreja. “Eu, casada e crente, ainda, acredita? Falando hoje parece mentira. Mas depois eu cansei, briguei com o marido, separei e caí na noite de novo”, resume. O fim do casamento deixou a garota ressabiada quanto a novos relacionamentos. “Não quero casar mais não. Nem namorar. Tô tranqüila agora. Tem até um cara que fica me chamando pra sair aí, mas to enrolando ele”.

Com o dinheiro ganho na boate – com programas e comissão por bebidas – consegue pagar o aluguel do apartamento onde mora, em Santana, na Zona Norte, e a faculdade. Paula está no primeiro ano do curso de Psicologia em uma universidade particular. “Mas já to pensando em largar. O curso é difícil, tem que pensar muito, tem que ter cabeça. E trabalhando aqui não to conseguindo, não chego bem lá”.

Ela também assume que anda bebendo demais, o que também estaria atrapalhando. “Tem que beber aqui no trabalho né, pra ganhar dinheiro. E de fim de semana também saio. Sábado fui na balada lá nas minhas quebradas com uma amiga daqui e ficamos muito loucas”, conta, rindo. E, novamente, ressalta que é “uma santa” na faculdade. “Ninguém precisa saber o que faço aqui. O cara que vem na boate também depois não sai falando por aí que comeu puta. Acontece aqui, morre aqui”. Até por isso, ela conta que não memoriza o rosto dos clientes - reconhece apenas aqueles que são freqüentadores assíduos da casa.

O expediente no Cine Globo vai até as 18 horas. Paula acha a rotina cansativa, mas admite que consegue sentir prazer com alguns clientes, esquecendo por um momento que está ali somente pelo dinheiro. “Depende do cara né. Tem uns novinhos, bonitinhos, que são uma delícia”. Alguns dos freqüentadores da casa, porém, aproveitam o anonimato das boates para realizar taras pouco usuais. “Tem tanto cara que pede pra ser comido que eu ando até com um vibrador na bolsa”, revela Paula, que dá risada ao contar alguns casos.

A garota não diz quanto consegue ganhar por mês no cinema, mas ressalta que o rendimento não é fixo. "Tem menina que diz que tira um valor sempre, mas é mentira. Não é assim. Tem mês que não dá pra tirar nada, tem mês que é bom e compensa”. Ela pensa também em sair da boate e parar de fazer programas. “Não dá pra viver disso pra sempre, a gente vai ficando velha”, explica. O plano, porém, ainda não tem data para ser concretizado. “Mais pra frente vou tentar alguma coisa na minha área, quem sabe quando terminar a faculdade”.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

por dentro de um privê - fast food do sexo


Patrícia passa o dia sentada em uma mesa de escritório. Com seus 46 anos, já apresenta alguns cabelos brancos, presos em um rabo de cavalo. Usa uma camiseta regata cinza, calça jeans larga, tênis. De pouco em pouco, puxa um caderno para anotar os programas que são feitos na casa que administra, um privê na rua Guaianases. A maior parte dos clientes chega por meio de adesivos colados em orelhões da região central. Chegam, sentam no sofá e esperam pelas mulheres. Elas chegam e se apresentam com beijo no rosto. É só escolher, pagar e ir para o quarto. As garotas cobram dez reais por dez minutos de sexo. Desse valor, metade fica para Patrícia.

“Tem menina que sai daqui para ir pra outro lugar, pros hotéis, pra Luz. Eu falo que aqui, se acontecer alguma coisa, ela grita que a gente vai ajudar, vai todo mundo para cima. Agora, se ela trabalha sozinha, o cara goza na boca dela, mete sem camisinha, bate nela e ninguém vai nem ouvir. Elas não dividem o programa com ninguém, mas tem que passar frio, agüentar bêbado chato, correr perigo”, argumenta.

Os tempos já foram piores para os negócios. Até a metade de 2009, a rua Guaianases era o principal ponto da Cracolândia. Usuários de crack e outras drogas passavam o dia e a noite por ali, assim como os traficantes. Hoje, com uma repressão mais forte da polícia, houve um alívio. Os nóias ainda circulam pela região, mas de forma menos intensa e não mais em grandes grupos, como há pouco tempo. “Eles não mexem com ninguém. No máximo pedem um trocado, um cigarro”, conta Patrícia.

Antes, porém, era mais complicado. “Às vezes eu descia para dar uma bronca quando ficava muita muvuca aqui na porta”. Ela ressalta, porém, que nunca foi assaltada ou ameaçada – ao contrário de amigas que possuem boates em regiões consideradas mais nobres, como a Augusta e Perdizes. Mas a mudança na rua não é atribuída somente à ação da polícia. “Juntamos com o pessoal que tem comércio aqui e começamos a pagar um segurança particular. Também começou a ter matéria de jornal direto, por isso que tiveram que fazer alguma coisa. Quando dava 18 horas, isso aqui ficava cheio. Os nóias tomavam um quarteirão inteiro aqui para trás, não passava carro, nada. Os clientes tinham até medo de andar por aqui”.

Na região, as drogas se fazem presentes não só nas ruas. Muitas garotas de programa contam sobre homens que pagam para ir aos quartos e cheirar pó ou fumar pedras de crack. Às vezes oferecem dinheiro para a mulher consumir a droga junto com eles. Patrícia conta alguns casos, mas se diz contra a prática. “Eu já aviso as mulheres quando elas entram na casa que, se eu ver, chuto daqui. Na vida pessoal de cada uma eu não posso fazer nada. Se a menina quiser cheirar uma bacia inteira de pó com um canudinho, faz o que quiser. Mas aqui, não”.

Outra reclamação da gerente é sobre confusões com os clientes. “Uns caras são chatos demais. Chegam aqui para aliviar o stress e vão embora piores ainda, porque não gozaram”. A principal reclamação dos homens é quanto ao tempo. A maioria paga por apenas dez minutos de sexo. Alguns broxam e começam a reclamar. “Eu já falo: amigo, você tem que se conhecer, saber se vai conseguir ou não, quanto tempo vai levar. O cara fica bravo porque não funciona, não tá com cabeça, e fica xingando a menina, a casa”. Nesses casos, ela tenta sempre apaziguar a situação. “Tem que ter paciência, conversar, para não perder o cliente. Mas também não deixar o cara folgar demais”.

Em alguns casos, a coisa é mais séria. “Já teve cara que entrou no quarto e quando saiu falou que não tinha dinheiro pra pagar”, lembra Patrícia. Hoje, isso não acontece mais, já que é tudo pago antecipadamente. Mas ela ainda lembra da história. “A gente juntou as meninas, deu umas porradas nele e mandou embora. Eu vou fazer o quê, matar o cara? Ficar dando barraco é pior. Queima a casa, assusta as meninas”.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

sexo no salão

Foto: Lívia Ramirez

“Me paga uma bebida, querido?”

O pedido é o mais comum nas boates do centro. As garotas se apresentam aos clientes, conversam algumas palavras e não demoram a lançar a pergunta. Quem não está acostumado ao funcionamento das casas, pode estranhar o valor apontado nas comandas. Uma lata de cerveja nas Koquetel Drinks, por exemplo, sai por treze reais. A explicação para a inflação é simples. Do valor, seis reais vão para o bolso da garota que convencer alguém a bancar a bebida. Mas o homem que paga a cerveja ou um drinque também não está interessado apenas em beber. Por cada item marcado na comanda, ele pode ficar “namorando” a garota no sofá, com amassos, passadas de mão e até mesmo beijos de língua, dependendo da garota e da química entre ela e o cliente.

Nas casas da avenida Rio Branco, porém, o clima não esquenta muito e os drinques normalmente são apenas o começo do que vai terminar nos quartos. Em outras boates a coisa funciona de outra maneira. No Garota de Ipanema e na Thells, ambas na rua Aurora, uma garrafa de cerveja não corresponde somente a amassos. A recompensa pode ser uma punheta ou boquete ali mesmo em meio ao salão, nos sofás. Desse jeito, o bar acaba também faturando mais para a casa, já que os clientes tem mais motivos para pagar os exorbitantes preços cobrados pelos drinques. As mulheres que começam a freqüentar o local não demoram a perceber que é preciso se adaptar para conseguir lucrar o máximo possível.

Vivian, que chegou há três meses da Bahia para trabalhar nas boates de São Paulo, lembra que sofreu no começo. Em alguns lugares passou noites inteiras sem tirar um único centavo. Com o tempo, começou a observar e conversar com as outras meninas. Ouvindo a voz da experiência, as coisas melhoraram. “Antes eu não bebia quase nada. Agora aprendi que não tem jeito, tem que beber. Outra coisa é que com homem que não bebe eu nem perco tempo. Não vale a pena, não dá dinheiro”, explica. Vivian também precisou perder um pouco da timidez para agradar aos clientes. E mentir também. “Tem que elogiar, fazer um carinho, deixar o cara na vontade”. As mãos precisam ser hábeis e ir no ponto certo. Ela precisa ser rápida também no copo. Quanto mais secar as garrafas pagas pelos homens, menos tempo precisa perder com o cliente e mais comissão é arrecadada.

O movimento na boate também influencia o tratamento dado ao visitante. Se a casa está cheia, Viviane não perde tempo: é direta e dispensa rapidamente aqueles que não se animam a desembolsar os quinze reais cobrados pelas garrafas de cerveja. Se há poucos clientes, ela se esforça mais para convencer os homens e até mesmo diminui as próprias exigências. E o cliente pode ganhar uma chupada em troca de uma única garrafa, quando a recompensa normalmente vem apenas na segunda. A simpatia também pode render frutos. Ainda assim, ela ressalta que não tem como perder muito tempo com quem não está disposto a abrir a carteira – mesmo que a agrade. “O pessoal fica de olho. Se não tem garrafa em cima da mesa, não pode fazer nada”.

Para ganhar mais dinheiro, porém, ela e as outras meninas chegam a desobedecer as regras da casa. Em programas comuns, tira trinta reais por meia hora de sexo – outros trinta ficam para a boate. Para conseguir atrair o cliente com um preço menor e ao mesmo tempo evitar dar metade do valor do programa para a chefia, Viviane às vezes oferece uma rapidinha para o visitante ali mesmo nos sofás, desde que a gerente não esteja por ali. “Tem que ser meio discreto, mas dá pra fazer. E é meter de olho no balcão”, conta, divertindo-se com a situação. O que ela não faz, por mais que a oferta seja tentadora, é programa fora da casa. “Acho muito perigoso. A gente não sabe quem é a pessoa”.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

tudo é negócio

Regiane veste as poucas peças de roupa que usava antes do programa: apenas um biquini fio dental e os sapatos de salto alto. Enquanto isso, Pedro também se recompõe, colocando a camisa pólo e a calça social e dando uma arrumada com as mãos no pouco cabelo que lhe resta e pega na carteira uma nota de vinte reais. Os dois caminham para a porta. Ele tem um sorriso nos lábios, que beijam o rosto de Regiane em uma despedida. Entrega o dinheiro e sai do quarto.

“Menina, dá aí minha grana. Ele já te pagou né?”

Quem pergunta, gritando, um pouco de agressividade na voz, é Carla, uma senhora de cinqüenta anos, negra, alta, magra, o rosto marcado por rugas. Veste uma calça e uma blusinha, uma roupa comum que destoa das outras garotas do prédio. Fica parada no batente da porta do quarto, de pé, a mão já estendida na cobrança. “Que foi? Se não tem dinheiro cobra mais dele”, diz, irônica.

“Não vou cobrar mais, não. Ele é meu cliente. Você que podia ser mais educada e não ficar cobrando na frente dos clientes”, responde Regiane, claramente brava e com um pouco de vergonha. O sorriso de Pedro desaparece do rosto e ele desce as escadas do meia nove com um último aceno para a garota.

“Minha filha, eu dei a buceta a vida inteira pra comprar esse apartamento e poder ficar tranqüila. Não fiz programa tanto tempo pra deixar os outros meter de graça. Eu cobro mesmo o que é meu”.

Bufando, Regiane entrega os vinte reais para Carla, que guarda no bolso, sem agradecer. Carla vira para o apartamento do lado e vê Neide sentada na porta, presenciando tudo. “Ainda era um velhinho. Esses caras dão trabalho, né? Devia até cobrar mais. Demoram pra gozar, a gente tem que se esforçar, suar muito. Se é um menininho novinho, bonitinho, aí é rapidinho e ele goza, a gente goza, fica todo mundo feliz”.

Nos dois prédios do centro utilizados unicamente para prostituição - o meia nove da rua dos Andradas e o Edifício Itatiaia, da Alameda Barão de Limeira - os apartamentos têm suas donas. As garotas de programa que quiserem utilizar os aposentos precisam pagar um aluguel diário e ainda têm o trabalho vigiado de perto pelas proprietárias. Proprietárias essas que já estiveram do outro lado. Quase todas trabalharam nos próprios prédios como prostitutas durante muitos anos, juntando dinheiro de cada programa para, no fim da “carreira”, comprar um apartamento e, com o aluguel, garantir a aposentadoria.

O preço cobrado pode variar por cada proprietária. Mas, normalmente, não foge muito do padrão. No Itatiaia, a dona do espaço fica com metade do valor de cada um dos programas – dez reais – nos primeiros quatro feitos pela garota. A partir daí, porém, tudo o que entrar é lucro para a menina. Cada apartamento chega a ser dividido por até oito mulheres. O lucro ainda vem da venda de bebidas. Nas salas, onde os clientes sentam e ficam conversando e bebendo cerveja, um latão sai por cinco reais. O valor fica todo para a chefia. No caso das bebidas quentes – como vodka, uísque, conhaque – as meninas podem receber comissão caso convençam os homens a consumir. Algumas das proprietárias dos apartamentos têm até mesmo funcionários, que ajudam nas atividades, como fiscalizar o tempo dos programas, cuidar dos estoques de bebida e das próprias garotas.

Brigas, que são raras, acabam apartadas pelas próprias mulheres. Houve uma tentativa de se colocar seguranças, homens, no prédio para garantir a tranqüilidade. A ideia, porém, foi abandonada. “Num lugar cheio de mulher, puta, não deu certo. Eles se preocupavam demais em ficar tentando comer as meninas e elas brigavam entre si por eles. Ninguém conseguia separar as coisas”, lembra Paula, que aluga um quarto no sétimo andar de segunda a sábado. Em uma região que, apesar de central, ganhou o rótulo de Boca do Lixo e, mais recentemente, Cracolândia, o valor arrecadado pelos espaço alugado nos prédios é muito superior ao aluguel cobrado por outros locais próximos.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Rua dos Andradas, 69

Foto: Renan Rodrigues

Trânsito caótico, centenas de pedestres e gente com sacolas cheias de compras. Lojas de eletrônicos, bares, lanchonetes, camelôs. Ali, perto de toda essa movimentação, a seiscentos metros da linha do trem, fica a rua dos Andradas. Ali, um edifício de dez andares, fachada recentemente pintada de vermelho e amarelo bem conservada, destoando-se num entorno deteriorado, apresenta uma movimentação incomum até mesmo para um imóvel localizado na região central. Um constante entra e sai de pessoas – quase todos homens –chama a atenção dos desavisados. A fachada, porém, não dá sinal nenhum do que pode atrair tanta gente. Não há placas, banner, nada. Apenas a tradicional indicação do número de endereço. O número meia nove provavelmente nunca combinou tão bem com um local.

A portaria é ocupada por João, um senhor negro de jeito calado que observa atentamente o movimento e se oferece também para atuar como guarda-volumes. Os mais jovens precisam mostrar o RG para provar que são maiores de idade e terem a entrada autorizada. Há duas opções para explorar a verdadeira face do lugar. Uma porta leva a uma escada, enquanto, à esquerda, fica o elevador. O modelo é característico, típico dos anos 80: move-se devagar e barulhentamente, aos solavancos. Dos degraus, chega o som de vozes femininas, muitas. Risadas, conversas baixas, gritinhos, gracejos. O elevador abre suas portas e logo já está cheio. Lá dentro uma senhora de idade e bastante acima do peso come uma coxinha sentada em um banquinho, fazendo o papel de ascensorista. Nas mãos tem uma caixa repleta de moedas e algumas notas de um real. “Caixinha da tia”, diz Carmen, sorrindo e apontando para a caixa, para depois estender a mão para seus colegas de elevador. Todos parecem já saber como funcionam as coisas por ali e entregam uma quantia já separada para ela. Carmen pede pelo menos cinqüenta centavos de cada um, “para ajudar”. E deixa a sua dica: “O bom é ir até o último andar. Aí você desce de escada. As meninas vão ficar agarrando, puxando. Aí vocês falam que ‘já foram’ e pronto. Aí você vê qual vai querer, escolhe. Se precisar sobe de novo de elevador pra encontrar ela”.

Quando as portas do elevador se abrem novamente, no nono andar, partem todos a descida das escadas rumo ao térreo. Cada andar tem quatro apartamentos. Em suas portas e espalhadas pelas escadas, apoiadas no corrimão, mulheres, mulheres e mais mulheres. Altas, baixas, gordas, magras, bonitas, feias, negras, brancas, mais novas, mais velhas. A maioria veste apenas lingerie, camisolas, calcinhas fio-dental. Em cada andar, até dez garotas se posicionam para “atacar” quem passa. Puxam pela mão, agarram pela cintura, chamam, perguntam: “vamo metê?”. Algumas atacam o ponto fraco: sabendo que o homem pensa mais com a cabeça de baixo, já vão direto ao ponto para tentar garantir o trabalho.

Segundo Carmen, cerca de quatrocentas garotas dão expediente por ali. O número parece um tanto exagerado, mas dá uma noção das dimensões do negócio. Os apartamentos viram vários quartos, com divisórias de escritório ou mesmo apenas toalhas e cortinas. O preço é de vinte reais por quinze minutos de sexo, mas pode chegar a quinze com alguma negociação ou garotas menos requisitadas. Outros detalhes também precisam ser definidos antes: sexo anal, por exemplo, pode render uma cobrança extra, dependendo da garota. É o chamado “presentinho”, que às vezes sai mais caro que o próprio valor do programa. As negociações acontecem em todo lugar, em frente às portas ou no meio da escada.

A dificuldade para descer os andares mostra que os conselhos de Carmen eram sábios. Qualquer vacilo pode resultar em estar preso, agarrado por alguma moça. Puxam pela mão, abraçam, levam para um canto, começam carícias, pegam a mão do homem e passam pelo corpo, enquanto sussurram. “Você não quer me comer, transar bem gostoso?”. Há as que insistem mais e até xingam quem passa direto ou se desvencilha com mais facilidade. Algumas utilizam a tática de pedir que o homem entre para conhecer o quarto ou pegar seu cartão de visitas. Quem se deixa levar fica numa situação complicada, quase obrigado a fazer o programa, seja por ameaça ou porque a garota já “ataca” a vítima. O expediente, inclusive, é lembrado por Paulo, que trabalha no bar e lanchonete Coringa, ao lado do prédio. “Elas vão te agarrando, às vezes chegam em duas, três...e nessa quando você vê pode estar sem carteira e você nem sabe o que aconteceu. E também nem pense em arrumar confusão por lá”. Se qualquer freqüentador de baixo meretrício sabe que briga na “zona” sempre termina mal para o homem, em um prédio com mais de uma centena de mulheres não poderia ser diferente.

Pelos corredores apertados não há só garotas tentando fisgar um cliente nem que na briga. Algumas parecem mais cansadas, quietas na frente das portas, outras sentam-se nas escadas. Há até mesmo algumas que aproveitam para ler uma revista enquanto esperam tirar a sorte e outras que comem por ali mesmo, para não perder tempo de trabalho.

De acordo com Carmen, o movimento tem alguns picos. Um deles é no horário do almoço. Muita gente que trabalha nas proximidades aproveita a folguinha do serviço para uma rapidinha por ali. Outro é mais próximo ao fim do dia, lá pelas quatro e meia, cinco horas, quando parte das pessoas já termina o expediente. Daí conclui-se que os clientes do prédio são, em sua maioria, homens que trabalham por perto. Mas, observando os corredores, o que se observa é um desfile de gente de todo tipo. Engravatados, peões de obra, estudantes, playboys curiosos, andarilhos esfarrapados, motoboys. Dentre esses, há os freqüentadores assíduos, que buscam diretamente o elevador e às vezes até mesmo um andar e garota específicos. E há os aventureiros, marinheiros de primeira viagem que ouviram falar do meia-nove e foram até lá conferir. Esses podem ser reconhecidos até mesmo pelo semblante. Vão de escada e se mostram até assustados frente ao vai e vem de gente e à agressividade das mulheres na caça pelo cachê de vinte reais. Esses são também os que acabam presos em algum canto por uma garota mais insistente enquanto olham para os lados procurando alguma ajuda. Se consegue se libertar, desce aos gritos de “viado, não gosta de muié, não quer meter” ou sob acusações de ser “pobre, falido, não tem vinte reais pra um programinha”.