Regiane veste as poucas peças de roupa que usava antes do programa: apenas um biquini fio dental e os sapatos de salto alto. Enquanto isso, Pedro também se recompõe, colocando a camisa pólo e a calça social e dando uma arrumada com as mãos no pouco cabelo que lhe resta e pega na carteira uma nota de vinte reais. Os dois caminham para a porta. Ele tem um sorriso nos lábios, que beijam o rosto de Regiane em uma despedida. Entrega o dinheiro e sai do quarto.
“Menina, dá aí minha grana. Ele já te pagou né?”
Quem pergunta, gritando, um pouco de agressividade na voz, é Carla, uma senhora de cinqüenta anos, negra, alta, magra, o rosto marcado por rugas. Veste uma calça e uma blusinha, uma roupa comum que destoa das outras garotas do prédio. Fica parada no batente da porta do quarto, de pé, a mão já estendida na cobrança. “Que foi? Se não tem dinheiro cobra mais dele”, diz, irônica.
“Não vou cobrar mais, não. Ele é meu cliente. Você que podia ser mais educada e não ficar cobrando na frente dos clientes”, responde Regiane, claramente brava e com um pouco de vergonha. O sorriso de Pedro desaparece do rosto e ele desce as escadas do meia nove com um último aceno para a garota.
“Minha filha, eu dei a buceta a vida inteira pra comprar esse apartamento e poder ficar tranqüila. Não fiz programa tanto tempo pra deixar os outros meter de graça. Eu cobro mesmo o que é meu”.
Bufando, Regiane entrega os vinte reais para Carla, que guarda no bolso, sem agradecer. Carla vira para o apartamento do lado e vê Neide sentada na porta, presenciando tudo. “Ainda era um velhinho. Esses caras dão trabalho, né? Devia até cobrar mais. Demoram pra gozar, a gente tem que se esforçar, suar muito. Se é um menininho novinho, bonitinho, aí é rapidinho e ele goza, a gente goza, fica todo mundo feliz”.
Nos dois prédios do centro utilizados unicamente para prostituição - o meia nove da rua dos Andradas e o Edifício Itatiaia, da Alameda Barão de Limeira - os apartamentos têm suas donas. As garotas de programa que quiserem utilizar os aposentos precisam pagar um aluguel diário e ainda têm o trabalho vigiado de perto pelas proprietárias. Proprietárias essas que já estiveram do outro lado. Quase todas trabalharam nos próprios prédios como prostitutas durante muitos anos, juntando dinheiro de cada programa para, no fim da “carreira”, comprar um apartamento e, com o aluguel, garantir a aposentadoria.
O preço cobrado pode variar por cada proprietária. Mas, normalmente, não foge muito do padrão. No Itatiaia, a dona do espaço fica com metade do valor de cada um dos programas – dez reais – nos primeiros quatro feitos pela garota. A partir daí, porém, tudo o que entrar é lucro para a menina. Cada apartamento chega a ser dividido por até oito mulheres. O lucro ainda vem da venda de bebidas. Nas salas, onde os clientes sentam e ficam conversando e bebendo cerveja, um latão sai por cinco reais. O valor fica todo para a chefia. No caso das bebidas quentes – como vodka, uísque, conhaque – as meninas podem receber comissão caso convençam os homens a consumir. Algumas das proprietárias dos apartamentos têm até mesmo funcionários, que ajudam nas atividades, como fiscalizar o tempo dos programas, cuidar dos estoques de bebida e das próprias garotas.
Brigas, que são raras, acabam apartadas pelas próprias mulheres. Houve uma tentativa de se colocar seguranças, homens, no prédio para garantir a tranqüilidade. A ideia, porém, foi abandonada. “Num lugar cheio de mulher, puta, não deu certo. Eles se preocupavam demais em ficar tentando comer as meninas e elas brigavam entre si por eles. Ninguém conseguia separar as coisas”, lembra Paula, que aluga um quarto no sétimo andar de segunda a sábado. Em uma região que, apesar de central, ganhou o rótulo de Boca do Lixo e, mais recentemente, Cracolândia, o valor arrecadado pelos espaço alugado nos prédios é muito superior ao aluguel cobrado por outros locais próximos.
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