sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Uma volta pelo Parque da Luz

Foto: Lívia Ramirez



Saindo da Estação da Luz, basta uma caminhada rápida e alguns lances de escada para se avistar os portões do Parque da Luz. Em seu terreno está também a Pinacoteca. Vizinho ao local, o moderno Museu da Língua Portuguesa. Tudo isso atrai turistas ou transeuntes que passam por ali em busca de arte, natureza e paz. E também homens de todos os tipos – em busca de sexo.

O espaço que recebe até quatro mil pessoas aos domingos e feriados possui coreto, playground, casa de chá, gruta, espelho d´água, obras de arte. Entre as árvores e bancos de concreto, turistas, aposentados, moradores de rua e profissionais do sexo dividem os mesmo espaço. Parte dos frequentadores passa pelas prostitutas sem sequer imaginar a profissão daquelas mulheres. Estão longe de corresponder ao estereótipo que habita o imaginário popular. Nada de pouca roupa ou maquiagem carregada. Ali a maioria usa figurino discreto: vestidas com calças jeans, moletons ou vestidos longos. Elas também pouco sorriem para os possíveis clientes – a maioria aposentados e trabalhadores da região. Não costumam abordar descaradamente os homens. Nada de ‘psiu’ ou encaradas provocantes. No parque da Luz, eles é que devem procurar a aproximação.

A maior parte das mulheres que trabalha ali não difere das garotas das boates ou privês apenas na abordagem branda, quase inexistente. Quase todas já passaram dos quarenta anos e muitas já estão além das cinco décadas. Carregam sempre uma bolsa a tira colo e ficam sentadas em algum banco ou em pé, paradas. Às vezes caminham até outra amiga, conversam por alguns minutos, comentam o movimento e voltam a se fixar em algum local, esperando pela aproximação de possíveis clientes.

Márcia aparenta mais de quarenta e cinco anos. Negra, ostenta tranças nos cabelos e sorri pouco, talvez para não denunciar a falta dos dentes superiores. Fala com timidez e veste roupas que quase não exibem o corpo fora de forma. “Só estou aqui há quatro meses, e não venho todos os dias. Quando preciso de dinheiro não existe outro jeito”. Ela conta que outras mulheres também usam a região em casos de emergência.

***

Uma roda de curiosos se junta em volta de um senhor de cerca de cinqüenta anos. Usando um chapéu branco característico dos sambistas cariocas, toca um pandeiro animadamente, acompanhado pelas palmas de alguns dos espectadores. Um morador de rua se aproxima, nitidamente embriagado, dançando com animação e começa a cantar uma música de Martinho da Vila. “Passei no vestibular...mas a faculdade...é particular...”. Termina o verso e começa a rir, revelando os poucos dentes ainda existentes na boca. Então volta a entoar o trecho da música. E segue cantando sempre a mesma frase. As pessoas em volta riem e continuam a acompanhar a brincadeira.

Alheio à movimentação, um homem passa pela rodinha e desce pelas trilhas do parque. Passa pela gruta, contorna o lago, o coreto. Volta para a entrada do jardim e se aproxima de uma mulher que está parada há algum tempo por ali. A ruiva - um tanto acima do peso – veste blusa e saia pretas e um par de botas marrom. A negociação entre os dois não dura mais de cinco minutos. O valor dos programas por ali varia entre quinze e quarenta reais – mas normalmente sai por vinte. Ainda é preciso pagar cinco pelo período nos motéis onde a relação se concretiza.

Tudo acertado, o casal recém-formado deixa o parque pelo portão principal, lado a lado, os dois conversando como velhos amigos. Atravessam a estação da Luz calmamente e saem na rua Mauá, onde sobem as escadas de um motel.

2 comentários:

  1. Realmente, não houve descrição melhor do local. Minha mãe me levava para passear quando eu era criança. E nas suas palavras me veio tudo a memória novamente.

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  2. Puxa! Fantástico seu blog e a matéria . E pensar que por uma dessas coisas imponderáveis da vida eu passei por um período morando nas ruas e exatamente nessa época e local. Reaimente passa um filme na cabeça ,muito provavelmente eu estava nessa data. Esse senhor negro era um morador de rua no qual chamavam de "Roberto Carlos", rs. Creio já ser falecido. Enfim, altas lembranças de um tempo de incertezas, medo, dificuldades, mas tbm momentos alegres e lúdicos assim, esse nem é muito o enfoque da matéria, e nem sou do tipo de pessoa q gosta de comentar, mas essa eu tinha! Obrigado.

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