Foto: Lívia Ramirez
Às 18h, apitos são ouvidos dentro do Parque da Luz. Quem visita o local pela primeira vez pode demorar a entender. O lugar está fechando. Os freqüentadores começam, a passos lentos, a deixar o local. A peregrinação termina do lado de fora do portão, onde famílias, moradores de rua embriagados, flanelinhas e garotas de programa se misturam. O pipoqueiro lucra com a pequena multidão.
Sentada na mureta do parque, uma senhora japonesa na casa dos sessenta anos tem uma garrafa de cachaça na mão e copos em outra. Já bastante bêbada, começa a cantar alto, dando risada, ao ver tanta gente na calçada. Serve uma dose para si mesma e outra para um morador de rua, que dá algumas moedas pela bebida. Uma das mulheres que fazia ponto no parque também aparece pegar um copo. Ela, que já andava com dificuldade, vira a pinga e sai trançando ainda mais as pernas. Com o efeito da cana, esquece a discrição habitual e aborda diretamente alguns homens, chamando em voz alta e sorrindo – a maioria dos dentes estragados ou já ausentes.
A Estação da Luz, logo à frente, com suas luzes já acesas no início de noite, é o ponto de despedida de algumas meretrizes. Mas nem todas encaram o fechamento do parque como fim do expediente. E é na própria estação que continuam o trabalho. Algumas já se posicionam nos muros da rua Mauá antes mesmo do fim das atividades do parque. Uma senhora negra usando um vestido simples e portando sua bolsa a tiracolo discute com um dos seguranças da estação ferroviária. “Olha, vocês fazem o de vocês que a gente faz o nosso”, responde o homem, nervoso, encerrando a conversa.
Um senhor do chapéu, que tocava pandeiro na praça, e seu parceiro de música, ainda embriagado, também vão para a Luz. No saguão de entrada, aproveitam a instalação de um piano, disponível para ser tocado por qualquer pessoa. O instrumento faz parte de um projeto da CPTM que começou em outubro de 2008 e deveria durar poucas semanas, mas foi prorrogado indefinidamente devido ao sucesso. Tirando o chapéu, o velhinho se senta e arrisca alguns toques sem melodia, acompanhado sempre pelo mesmo refrão de Martinho embalado pelo colega.
No mesmo salão, mulheres que estavam no Parque da Luz começam a circular, andando lentamente de um lado para o outro. Param em um canto. Dão a volta. Vão para as portas. Sempre à espera.
Após as 18 horas, a passarela que a rua Mauá à avenida Cásper Líbero por dentro da estação ferroviária, passando por cima das plataformas de trem, poderia ser chamada de “passarela do sexo” pelos mais atentos. Os cerca de 40 metros que ligam uma entrada a outra da construção ficam cheios. O vai e vem dos passageiros é ininterrupto. Mas alguns rostos são sempre os mesmos. As garotas que saíram do Jardim da Luz não esperam nenhum trem. Como se fossem modelos,desfilam pelo corredor, indo e voltando, sem pressa alguma.
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José chega caminhando lentamente, olhando com atenção em volta. Alto e corpulento, ele veste uma camisa social branca por fora das calças jeans, o primeiro botão aberto. A barba por fazer realça a aparência de cansaço, mas os olhos denunciam uma certa impaciência. O olho esquerdo permanece estático enquanto o outro passa atentamente pelas moças que estão por ali. Uma análise mais atenta revela: é um olho de vidro.
Ele dá uma volta completa pela estação, sempre atento ao que acontece ao redor. De repente para e aborda uma negra alta e forte, já na casa dos sessenta anos. Fala no ouvido dela por alguns instantes. Ouve uma resposta ríspida e sai dali, sem responder. Anda por mais cinco minutos antes de abordar outra mulher, uma loira. A conversa dura mais. Mas, oito minutos depois, José está novamente sozinho, circulando a passos rápidos pela passarela que liga o parque à rua Mauá.
Uma morena passa andando devagar, uma bolsa a tiracolo. José chama e falam por apenas alguns instantes. Ele parte então para a porta, onde duas amigas conversam enquanto aguardam por algum cliente. Mais dois minutos com as duas e nada. Ele sai novamente sozinho e dá a volta pelo salão, saindo pelo outro lado da estação. Começa a abordar mais mulheres entre as que estão encostadas nas paredes. Depois de mais quatro tentativas, está de volta ao saguão principal da Luz, andando freneticamente de um lado para o outro.
“Tô procurando uma menina aí que eu saio sempre, né. Pelo jeito ela não ta, não. Aí fico conversando com as outras, tentando alguma coisa, mas não to gostando delas não”, explica José. Comerciante, ele trabalha na famosa rua 25 de março. Aparece pelos lados da Luz quase todas as semanas, sempre atrás da mesma mulher. Passando a mão pelos cabelos onde já aparecem os primeiros fios grisalhos de seus quarenta e cinco anos, conta que chegou a freqüentar algumas boates, mas que nunca foi algo freqüente.
Nos últimos tempos, porém, após terminar um namoro de nove anos, acabou indo procurar companhia por ali. “Eu morava junto com uma mulher, aí quando terminamos comecei a vir aqui sempre. Sabia que tinha umas mulheres, mas nunca tinha feito nada no parque”, lembra. Gasta sempre a mesma coisa, dinheiro contado: vinte e cinco reais por uma hora de sexo e o aluguel do quarto do hotel mais próximo. Enquanto conversa, continua atento à movimentação nos arredores. “Fico pensando que ela tá no hotel com algum cara e pode sair. Vou ficar mais um pouco e se ela não aparecer, vou embora”.